Esportes

1 02/08/2018 22:36

O adolescente que ganhou o mundo jogando futebol, uma de suas paixões, encantando torcedores e sendo enganado pela maioria dos velhos cartolas

Ainda criança, Bené, ou Benedito Israel Ribeiro, não se fazia de rogado e pouco se importava em filar as aulas para jogar um baba (ou pelada, como queiram) com os amigos, afinal, o futebol era uma das suas paixões. Mas, como ele costuma dizer, sem compromisso algum ou vontade de deixar Canavieiras, onde morava desde os cinco, seis anos, para ir jogar em um grande clube do Rio de Janeiro ou São Paulo.

E assim Bené levava a vida na pacata e bucólica Canavieiras, onde morava com os tios, dividindo-se entre a escola – nem tão levada a sério – e o futebol. Outra de suas paixões, o Escotismo, apegou-o, ainda mais, ao futebol. Pois foi nas equipes do Guarani, Escola e União Escoteiros que se sentia mais à vontade para lidar com a bola. A posição pouco importava, desde que fosse no ataque, driblando, dando passes e fazendo gols.

E já com seus 16 anos eis que aparece em Canavieiras o Bonsucesso (time do Rio de Janeiro), que fazia um tournée pela Bahia. Aqui, com o futebol apresentado no Estádio Pedro Menezes, encheu os olhos do técnico Gradim, que o convidou a integrar à equipe carioca. Convite aceito, deixou os amigos craques canavieirenses como Cavaquinho, Adinael, Nondas, Talminho (o melhor de todos, em sua opinião), Miruca, e passou a jogar com as estrelas do futebol carioca.

O ano era 1959, e Bené viajou em excursão com o Bonsucesso, como jogador da linha de frente. Nas partidas assegurou o lugar no time como centroavante, embora não se fazia de rogado quando escalado para a pronta direita ou outra posição, desde que atacante. Dois meses depois, já no Rio de Janeiro, era parte do elenco juvenil do Bonsucesso, time em que foi bicampeão nos anos 1961/61, com várias passagens pelo time profissional.

Num time de cobras – Daí para o Botafogo foi um pulo. Em 1963 Bené jogava ao lado dos maiores “cobras”, integrantes da base da Seleção Brasileira. Não é preciso dizer que a vida do pacato boleiro dos babas de Canavieiras passou por uma mudança profunda, sem qualquer planejamento, jogando em pleno Estádio do Maracanã, templo sagrado do futebol brasileiro, como se referiam os narradores esportivos daquela época.

Para Bené, tudo foi um sonho, um sonho concretizado, pois jogou em muitos clubes brasileiros, junto dos melhores craques do mundo. Ele só lamenta que não tenha sabido aproveitar todas as fases, unindo o futebol eficiente e bonito que jogava com o resultado financeiro. E hoje Bené credita essa grande falha à pouca experiência em administrar sua vida e aos novos amigos, junto com os quais gastava todo o dinheiro em que ganhava.

Contratos leoninos – Os contratos daquela época também eram firmados de forma unilateral, sem qualquer assessoria e que somente beneficiavam os clubes, cujos dirigentes inseriam cláusulas consideradas verdadeiros absurdos. E no Botafogo não foi diferente e, após alguns anos tomou conhecimento que o contrato teria sido assinado por seu pai, o que o fez criar alguns problemas com o Glorioso de General Severiano.

Mas ele nem teve tempo suficiente para cuidar da parte financeira, pois em campo tinha como companheiros de time Garrincha, Zagalo, Nílton Santos, Amarildo, Quarentinha, Amoroso, Jairzinho, Roberto Miranda, Oto Valentim, dentre outros cobras. “Com esses caras passei também a me sentir um cobra, pois se eu jogava com eles, era porque tinha as mesmas condições. E encarei isso com muita simplicidade”, admite Bené.

Escola da vida – Habilidade e curiosidade eram atributos que Bené possuía de sobra e foi suficiente aprender muitas coisas novas com seus colegas do Botafogo. Boas e ruins, é bom que se diga. “Ver Garrincha jogar era uma aula e com ele aprendi bastante e quando o técnico precisava de alguém para a ponta direita eu estava lá, ao lado de Jairzinho, que tinha acabado de subir para o time profissional”, lembra.

Dentre, as mudanças sofridas por Bené, no Rio de Janeiro, uma foi bastante significativa, a que mudou seu nome para “Canavieira”, sim, sem o ‘s’ final, mas bem-aceita, já que representava a sua terra, embora tenha nascido em Cairu, no Recôncavo baiano. “Naquela época era muito fácil jogar, pois com o meio de campo formado por Aírton, Gérson, Didi e Nei Conceição era só receber a bola e fazer o que sabíamos: ir em direção ao gol, ou passar para outro companheiro melhor colocado”, analisa.

Já “batizado” Canavieira, Bené lembra a primeira vez que jogou no Maracanã pelo Botafogo, contra o Vasco, aos 19 anos de idade. “Me senti como todo adolescente que gosta de futebol, deslumbrado, mas encarei a partida com toda a naturalidade”, recorda. Para ele, a pouca idade era compensada pela experiência dos craques botafoguenses, que os deixavam à vontade.

No time de cima – A ganância – no bom sentido – pelo futebol foi responsável por ter deixado de servir ao Exército, com receio de perder a posição naquele Botafogo abundante em craques, ávidos para jogar no time de cima. Junto com ele, também almejam subir Mura, Hélio, Zé Carlos, Dimas, Nei, Luiz Carlos, Arlindo, Jairzinho, Oto Valentim e Roberto Miranda, o que fazia com que esquecessem outras obrigações que não o futebol.

E o time principal do Botafogo era formado por Manga, Joel, Nilton Santos, Zé Maria e Rildo; Airton, Gerson e Didi; Garrincha, Canavieira e Zagalo. Mas o plantel era enorme e contava, ainda, com Quarentinha, Amoroso, Amarildo, Afonsinho, Nei Conceição, Valtencir, Wendel, Carlos Alberto e muito outros. “O Botafogo era mesmo que um carrossel, saia um entrava outro e o time continuava com a qualidade de sempre”, afirma.

Esse grande plantel era o motivo de muito tempo ocioso, principalmente numa cidade grande como o Rio de Janeiro, com seus bares e boates famosos. Canavieira se dava bem com todos os colegas, embora preferia uma turma mais chegada. Eram os chamados “banda voou”, que saiam do estádio ou do treino com uma ideia fixa: tomar uns goles. E ia ele com Rildo, Garrincha, Quarentinha, Manga e Valtencir.

Da grandeza desse plantel teria saído a versão de que “Canavieira” era o reserva de Garrincha, dono absoluto da ponta direita do time da Estrela Solitária. Mas ele conta que com a subida dos juvenis, todos jogavam em várias posições. Reserva de Garrincha era Arlindo, mas ele e Jairzinho também jogavam naquela posição, bem como de Quarentinha e, posteriormente, de Roberto Miranda.

Tempo de discórdia – Do plantel, uma figura era por demais respeitada: Nílton Santos, considerado o “xerife” do time e que suas ideias eram prontamente acatadas pelo técnico e dirigentes, sempre aconselhando para o bem. E nesse ambiente Bené, ou Canavieira, foi ficando até o ano de 1966, quando passou a ter problemas com os cartolas, por causa do contrato. “Tive que aprontar para sair”, admite.

E como a fila anda, foi emprestado ao Cruzeiro, do Rio Grande do Sul (que voltou recentemente à primeira divisão). Campeão gaúcho, foi considerado o melhor jogador do campeonato. Como o empréstimo tinha terminado, Canavieira volta ao Rio de Janeiro e é novamente emprestado ao Cruzeiro, e logo após vendido ao Internacional, sem o seu consentimento, quando começou a aprontar de novo.

Carreira internacional – Para solucionar o problema “Canavieira”, o Internacional, que estava de olho em um centroavante do Cerro, do Uruguai, propôs uma troca e Bené, também Canavieira, se transfere para o Cerro, iniciando sua carreira internacional. Como sempre, “matou a pau” e encantou os uruguaios por dois longos anos (1968/69). Ainda pelo Cerro, foi disputar um torneio nos Estados Unidos, com a participação de clubes da Europa, inclusive o Barcelona, da Espanha.

Após um brevíssimo período, voltou aos Estados Unidos para trabalhar e jogar bola. Arranjou emprego num restaurante italiano e passou a jogar em uma liga clandestina, mas o restaurante lhe tomava muito tempo e dava poucos dólares. Viajou e jogou em Nova Iorque, Chicago, São Francisco, Washington, Boston e foi até o Canadá, voltando em seguida para o Brasil, data em que encerrou sua carreira internacional.

De volta ao Brasil – Na primeira quinzena de outubro de 1969, “Canavieira” é manchete do jornal Tabu, de Canavieiras, que relatou ter o jogador retornado do Uruguai junto com um diretor do Bahia, equipe que tinha interesse no seu passe. “Canavieira” estreou no Bahia em 8 de outubro de 1969, contra o América carioca e entrou em campo com um seu colega do Botafogo, Paulistinha, pela Taça de Prata.

No Bahia, não demorou o que esperava, embora tenha tido sucesso dentro de campo. No primeiro treino no Bahia, foi alertado pelo amigo de escola Nélson Barbosa, de que seria marcado pelo lateral Paes, e respondeu: Não quero nem saber, eu quero é paz e tranquilidade. De outra feita, o canavieirense Melquiades Almeida voltava para Salvador quando foi portador de uns biscoitos fabricados pela tia de Bené, dona Cecília. Em vão!

Assim que terminou a partida, Melquiades entra no vestiário e não encontrou Bené, que tinha saído apressadamente para mais uma farra. Bené nunca escondeu que gostava de três coisas: bebida, mulheres e jogar futebol, este sempre por último. “Tinha domingo que eu saía do estádio e nem recebia o ‘bicho’ (gratificação pela vitória) e já caía direto na gandaia”, comenta sem remorso.

Craques das Alagoas – E essa foi a última partida pelo Bahia. “Canavieira” foi contratado pelo CRB, de Maceió, e é recebido com todas as pompas, afinal, era uma estrela de primeira grandeza. Perguntado pelos dirigentes em qual posição jogaria, para vestir a camisa na presença da imprensa e convidados respondeu: Centroavante ou ponta direita. “Vou jogar as duas camisas pra cima e a que eu pegar é com aquele que vou jogar”. Ficou com a 9 e assumiu a posição.

De pronto e com o aval de José Melo, seu conterrâneo e dirigente do CRB, “Canavieira” foi agraciado com um belo apartamento no litoral de Maceió, vendido para fazer frente as farras homéricas que promovia. Mesmo assim, quando entrava em campo resolvia a parada com seus gols e passes na medida, embora nem sempre era escalado por não ter comparecido à concentração.

Conta o antigo lateral direito do CRB, Lima (Sebastião Lima, hoje advogado com banca em Salvador e Santo Antônio de Jesus), que volta e meia era preciso peitar o técnico e dirigentes para escalar “Canavieira”. “Estávamos perdendo de 3 X 0 do Santa Cruz do Recife e no vestiário convencemos a sua escalação e não deu outra: Ganhamos a partida por 4 X 3, com três gols dele e mais um passe na medida”, conta Sebastião Lima.

Ainda em Alagoas “Canavieira” jogou pelo Ferroviário Atlético Clube, levantando o astral dos torcedores do verde e branco, que há muito não conseguia ganhar dos seus adversários. Antes de voltar para casa, ainda passou por alguns times nordestinos até tomar conhecimento de que os tempos de “Canavieira” tinham ficado para trás. Abandou o futebol e voltou para Canavieiras, esta, com o “s” no final.

O futebol de ontem e hoje – Bené considera o futebol de hoje pobre em arte e rico na força, no qual ganha a parada quem faz mais falta e amedronta o adversário, ao contrário de antes, um futebol cadenciado. Como se sabia jogar bola, o jogador não precisava correr e sim sair da marcação para receber o passe. Segundo ele, bastava se colocar bem para receber o passe de Gérson e fazer o gol.

Na sua passagem pelo Botafogo, o time de General Severiano fornecia mais de meio time para a Seleção Brasileira, a exemplo do Santos, com Pelé, Zito, Pepe, Coutinho, Mauro, etc. Hoje os nossos jogadores estão na Europa e serviram de estudo para que os técnicos de lá pudessem estudar nosso comportamento e habilidade em campo. Antes, formávamos quatro ou cinco seleções do mesmo nível, hoje, temos apenas Neimar e mais uns dois”, revela.

Nova realidade – Bené não tem dúvida de que “estourou” no futebol brasileiro e se não se deu bem foi por causa da sua irresponsabilidade fora do campo, diz sem mostrar remorsos ou mágoas de outras pessoas. De volta a Canavieiras, teve que enfrentar outra realidade: trabalhar de ajudante de pedreiro numa construção, fazendo massa e carregando a pesada lata para o andar superior do prédio.

Mas um dia, enquanto subia a escada com a lata de massa nas costas, ouviu uma pessoa dizer a outra: “Está vendo aquele ali, não era para fazer isso, pois carregou o nome de Canavieiras por esse mundo todo”. Calado, trabalhou até terminar a semana, recebeu o pagamento e disse ao patrão que não voltaria mais a trabalhar, que numa expressão mais tosca seria o mesmo que a partir daquela data não daria prego pra mais ninguém.

Saiu em busca da aposentadoria, mas com os documentos perdidos e a desorganização dos clubes de futebol, passou maus momentos para conseguir a sonhada aposentadoria. Agora, comenta que sabe dar valor às coisas, bem como a sua família, vivendo para a mulher, filhas e netos. A bebida alcoólica é coisa do passado, mas não descuida para que não tenha uma recaída.

 

Por Walmir Rosário

 

 







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